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Eu quero lhe contar uma pequena aventura que vivi por volta dos meus 14 anos, eu não sou muito boa com datas e detalhes, não sou muito boa cronologicamente mais era com certeza na adolescência.
Era um fim de tarde delicioso de verão já tinha ido para escola e já tinha feito as lições de casa, eu morava ao lado da casa da minha avó e minha prima Michela morava com ela, então, decidi ir chamar a Michela para brincar ou fazer algo interessante, conversar, enfim sair do tédio.
Nós duas começamos a conversar e nos divertir quando de repente tivemos uma grande ideia, estávamos animadas e com vontade de fazer algo muito divertido, resolvemos testar a bondade dos nossos vizinho, queríamos saber qual deles eram atenciosos e bondosos, qual deles dariam para os pedintes de rua alimentos ou algo para saciarem a fome ou sede, e o mais legal da brincadeira queríamos colocar o disfarce perfeito de mendigos e não sermos reconhecidas.
Para nós era um desafio o quão boas éramos em nos disfarçar com roupas, posturas e vozes a ponto de ninguém nos desmascarar, quanto de alimentos nós ganharíamos, quais vizinhos viriam nos atender e nos dar algo tipo de alimento. Pronto, já estávamos animadas para procurar roupas, sapatos, maquiagem e adereços para o nosso disfarce perfeito.
Eu, meu irmão e meus primos erávamos muito alegres e divertidos e gostávamos de brincar de pegadinhas, entre nós e com as pessoas, essa era a nossa brincadeira predileta.
Fomos nos nossos guarda-roupas e começamos a pedir peça velhas e rasgadas, tentamos sujar com barro para parecer que estávamos a muito tempo dormindo e vivendo em condições ruins, bagunçamos os cabelos e usamos lápis para os dentes ficarem parecem os pretos e careados, chinelos velhos e algumas sacolas velhas. Quando olhamos uma para a outra estávamos irreconhecíveis e tinha brilho nos olhos, sorriso no rosto e muita diversão.
Fantasia perfeita. Ensaiamos a fala, um pouco caipira, norte do Paraná, meio que pessoa humilde, sem escolaridade e com muita timidez, fala baixa e recada, olhar baixo e ombros caídos para frente, uma postura de muita humildade e simplicidade. Então, Partimos para o nosso plano: bater de porta em porta nas casas dos nossos vizinhos, rua abaixo, um por um.
Estávamos muito animadas.
Abririam as portas? Nos reconheceriam logo de cara? Nos dariam alguma coisa?
Partimos para a primeira casa, o ponto inicial era muito importante, afinal se desse certo, nos sentiríamos confiantes para seguir no disfarce.
Nossa primeira vizinha, ficou distante do portão, de onde estávamos para a porta da casa dela, e nos perguntou o que queríamos com desconfiança e com a intenção de resolver logo o assunto.
Dissemos que estávamos com fome, e queríamos um “cadinho” de comida, qualquer coisa que pudéssemos levar para casa e ajudar a alimentar nossa família.
Era muito, muito engraçado, dava muita vontade de rir da atrapalhada, mas era divertido ver a reação de cada um, tínhamos que nos segurar para não rir e perder todo o disfarce.
Nossa primeira vizinha não nos reconheceu e nos 01 litro de óleo. Deu certo, comemoramos, a vizinha pediu para a filha levar até o portão o mantimento e nos despachou o mais rápido possível.
E assim continuamos a nossa aventura de casa em casa.
Alguns nos receberam, alguns disseram que não tinham nada para dar e alguns nos trazia feijão, açúcar, achocolatados e arroz… fomos mesmo enchendo as nossas sacolas e pensávamos, somos boas nisso.
E assim descemos a rua…
Nossas sacolas estavam cheias, mas não era o mais empolgante. Era ter feito o plano perfeito do disfarce infalível, irreconhecível… até que, uma vizinha mais atenta, resolveu vir nos oferecer um prato de comida quente, para isso, ela saiu da porta da sala em direção ao portão, chegou mais perto de nós e de fato nos olhou. Já reparou que talvez, nós não olhamos nos olhos de um mendigo?
Que as vezes, queremos despachar logo de cara, o mais rápido possível, como se ele fosse um incômodo, ou oferecesse algum perigo?
Pois é, essa vizinha não, ela veio mesmo até ao portão interessada em quem queria pedir algo para comer e queria oferecer mais que um alimento que trouxesse conforto e algo além de alimentar o corpo, estava preocupada em nos oferecer algo além.
Foi então, que ela chegou bem pertinho, e perguntando aqui, perguntando ali, reconheceu a nossa voz, e viu que éramos nós que estávamos vestidas de pedintes, foi uma gargalhada só.
Nos divertimos muito. Fomos desmaracaradas do nosso plano perfeito.
Subimos a rua entregando os mantimentos ganhados, nada ali nos interessava realmente, ninguém deu um docinho, risos.
Mas a cara dos nossos vizinhos foi a parte mais legal. A forma como nós tratamos o outro, o olhar para quem está à nossa frente e quando queremos ver ou não aquilo que no nosso julgamento interno cataloga a situação presente.
Todos riam da nossa brincadeira. Ficamos cansadas de todos o esforço para brincar, roupas e disfarces e depois limpar toda a bagunça, explicar a brincadeira para todos e devolver tudo o que ganhamos, mas também foi uma lição para vida.
Só enxerga quem quer de fato ver.